Qual a dimensão da força da nossa liberdade? 

A realidade de vida de nossos irmãos no primeiro século da era cristã é algo que não podemos alcançar, ou talvez tenhamos nos condicionado a não alcançar devido à pouca profundidade do nosso compromisso com a verdade do evangelho que nos foi legado. Nossa vida cotidiana pós-moderna nos leva a uma leitura distorcida daquela realidade. Temos a tendência de mitificar personagens e envolver a realidade daqueles dias numa “aura hollywoodiana”, como se tudo aquilo fosse uma grande ficção para nos emocionar e nos levar às lágrimas entre um punhado de pipocas e outro. Logo depois damos prosseguimento à nossa vida “normal” em alguma praça de alimentação onde podemos nos divertir voltando à superficialidade da nossa existência. 

Em Atos 4.1-20, Pedro e João haviam desafiado o establishment judaico religioso daqueles dias curando um paralítico na porta do templo. O templo representava uma embaixada judaica em Jerusalém. Uma zona franca de livre comércio de animais e de câmbio de dinheiro por parte da casta sacerdotal que se estabelecera nas dependências do templo, tudo sob a autorização do Império Romano. A perda de fiéis significava diretamente a perda de domínio, influência e controle dos sacerdotes sobre o povo. 

Quando Pedro e João curam esse paralítico de mais de 40 anos de idade na porta do templo, o número de convertidos sobe para cinco mil homens. No capítulo cinco, verso doze, Lucas nos relata que todos os dias os convertidos se reuniam no Pórtico de Salomão, do lado de fora do templo. Uma revolução que mudaria o eixo orientador da fé e da jornada do povo daqueles dias. E isso assustava os sacerdotes. Por isso, Pedro e João são presos e levados pelas autoridades judaicas e escribas diante dos sacerdotes sob a ordem de Anás e Caifás, os mesmos que levaram Cristo a Pilatos para condenação.  

Poderosos sendo desafiadas por pescadores comuns do povo 

Pedro e João eram pescadores iletrados, gente comum, gente do povo, sem poder de mobilização, sem o controle da máquina da influência religiosa, sem a força de persuasão militar romana, apenas homens comuns. Assim foi, era e sempre será a perseguição contra a verdadeira igreja de Cristo – gente poderosa usando da força bruta contra gente simples e comum, gente de poder ameaçando iletrados e incultos que movem os céus na força da graça, na força do crucificado ressurreto. 

Pescadores que deixaram seus barcos e suas redes, deixaram seu ganha-pão, suas vidas e suas casas por terem encontrado o Messias, a razão da vida. Gente que tudo pode na força de Deus que os fortalece, e não na força do sistema Roma-Templo. 

Para Pedro e João ou qualquer dos discípulos, nas palavras de Paulo, o morrer era lucro, pois já tinham encontrado a vida. E por terem encontrado a verdadeira vida e o verdadeiro sentido de viver, nada mais era importante para eles, nem a própria vida. Nas palavras de Pedro e João:  

“Julguem os senhores mesmos se é justo aos olhos de Deus obedecer aos senhores em vez de obedecer a ele. Pois não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos”. 

Esses apóstolos estavam desafiando a maior autoridade judaica da época – o sumo sacerdote, o sinédrio, a lei; e por consequência, o poder romano. O poder religioso e o poder político imperial movimentariam todas as suas armas contra o Reino de Deus com uma força desproporcional, como nos dias de Herodes que moveu um exército contra bebês judeus visando a morte do menino Jesus. Como Faraó utilizando um exército para exterminar todos os meninos nascidos das hebreias visando a morte de Moisés. Mas o Filho vem subindo como um renovo, um pequeno ramo que vence a esturricada terra seca (cf Is 53.2), e contra todas as forças faz brotar o Reino de Deus. 

Poderíamos dizer que, se fosse nos dias de hoje, tudo se passaria como se nosso país fosse tomado por uma força imperial que nos dominasse. Não necessariamente um império humano, mas com certeza espiritual. E então seríamos cidadãos sem cidadania, sem o comando de nosso território, sem presidência, sem congresso nem senado, sem governadores nem deputados, sem prefeitos e sem vereadores, sem delegacias, sem policiamento e nem exército. Como se toda a força de um império estranho nos controlasse. E nossa religião e nossos líderes religiosos tivessem se curvado ao sistema imperial fazendo o papel de mediadores entre o império e o povo. A troco disso tivessem recebido de presente desse império o direito de dominar o comércio das ofertas e o câmbio do dinheiro movimentado numa “embaixada”. Tudo isso em nome de Deus. E quando o evangelho nos abrisse os olhos para a verdadeira vida e para a maldade deste novo império, fôssemos desterrados, perseguidos, apedrejados, crucificados e pendurados pelas ruas sem direito à lei, sem direito à vida. E como resposta a isso disséssemos:  

“Podem nos tirar a vida, mas não deixaremos de crer e nem de falar do que cremos”. 

Suportaríamos isso? 

Nossa resposta nunca é sim. Nossa resposta sempre é: “Isso nunca vai acontecer”. 

Qual a dimensão da força da nossa convicção? 

O quanto estamos de verdade compromissados com a verdade do evangelho a ponto de abandonarmos nossos barcos, redes, casas e cidades, prontos para até mesmo perder nossa vida por termos descoberto a verdadeira vida em Jesus?  

Os relatos dos desafios vividos por nossos irmãos em países onde há perseguição aos cristãos nos dão conta de cristãos dignos de serem chamados seguidores do crucificado ressurreto, dignos de serem chamados livres. Irmãos nossos, gente comum, gente simples como eu e você, gente que vive hoje em assentamentos de refugiados, ou errantes dentro de sua própria terra, viúvas, viúvos e órfãos. Gente que em meio à perseguição dos Herodes, dos Anás e dos Caifás dos dias de hoje segue glorificando a Deus, dando testemunho da alegria da salvação e dando provas da firmeza na esperança de Cristo Jesus. Dando provas de que são livres. Segundo o que Jesus nos ensinou no Sermão do Monte, esses na verdade serão chamados bem-aventurados. 

Quando somos convidados a orar por nossos irmãos perseguidos, não podemos nos enganar, não fazemos isso pelo fato de sermos cidadãos de um país livre, fazemos isso porque éramos prisioneiros do sistema Roma-Templo, e não somos mais. Não somos livres por não termos uma espada contra a nossa fé, somos livres por não nos curvarmos nem a Herodes, nem ao templo corrompido. Nosso problema nunca foi e nunca será a espada de Herodes. A espada de Herodes só pode nos tirar desta terra, mas jamais nos tirará da Jerusalém celestial. Nossos irmãos perseguidos são livres, o evangelho os libertou, Cristo os salvou. A alegria da salvação os alcançou, a escravidão do pecado e da morte eterna foi vencida. Oramos por eles apenas para que sejam fortalecidos em meio à perseguição dos homens, pois livres deste mundo eles já são. 

Livres em meio à perseguição ou escravos em meio à liberdade? 

Talvez nós, que nos sentimos livres é que sejamos prisioneiros, perseguidos dia e noite por um sistema humano que nos diz que a verdadeira vida está na materialidade do sucesso na terra que está sob nossos pés.  

Sentimo-nos mal e injustiçados quando nos falta a riqueza desta terra, choramos e nos contristamos quando temos um insucesso neste mundo porque a lógica do império já nos venceu e nos aprisionou. Nossas almas são prisioneiras da performance e do desempenho de sucesso humano. Sentimo-nos livres, mas infelizmente somos prisioneiros. Somos saduceus e escribas sob a tutela de Anás e Caifás. Como eles, acreditamos que liberdade são as benesses de Roma. Por isso somos escravos. Nosso testemunho dá conta de nossas conquistas terrenas e nossos sucessos materiais contabilizados. Nós nos alinhamos mais com o perfil do homem pós-moderno e seus atributos de essência corporativa do que com a identidade do crucificado ressurreto, e o pior é que isso nos satisfaz. E pior ainda, nos sentimos livres sem perceber que somos prisioneiros desse sistema. 

Deveríamos nos alegrar com a vitória do cordeiro na vida de irmãos que testemunham de sua fé em meio à perseguição e fazem isso porque são livres. Deveríamos glorificar a Deus pelo fato de que a liberdade do sangue de Jesus os alcançou e regozijarmo-nos junto com eles por tão grande milagre. E deveríamos igualmente adorar a Deus pela liberdade de Cristo, que nos livrou do domínio da lógica dos impérios que nos cercam. Agradecer por sermos livres e termos coragem de dizer a este sistema que continuaremos servindo a Cristo mesmo que isso nos custe a vida, os barcos e as redes, ou mesmo que nos custe o assento na mesa dos dominadores. 

Só então levantaríamos nossas vozes em oração por nossos irmãos livres em meio à perseguição. E esta oração partiria de nós, cristãos livres do sistema Roma-Templo deste mundo, também perseguidos pela lógica dominadora que nos cerca. Seríamos um com eles. Todos nós. Livres em meio à perseguição. Para a glória de Deus. 

Ore pela Igreja Perseguida

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